Quem sou eu

O projeto "Longa jornada livro adentro: a análise de textos literários" visa incentivar a leitura e a interpretação de textos de diferentes épocas e estilos. O grupo fará oficinas quinzenais, aos sábados pela manhã, em que se debaterão obras, tendências e outros assuntos do mundo da literatura. Aqui, você confere os tópicos em pauta, os principais itens discutidos nas reuniões e a organização para os encontros futuros. As oficinas se realizarão no auditório da UFFS.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

10ª oficina: A densidade do mínimo: minicontos/minipoemas

A Literatura é uma arte/ciência incrivelmente plástica, pois lida com um material incrivelmente instável: a Palavra. Assim, da mesma forma que existem monumentos literários como Os Lusíadas, A Divina Comédia ou Em busca do tempo perdido, existem textos literários compostos de pouco mais de uma centena de palavras. Ou até menos. Na décima oficina, a se realizar no dia 07/12, às 08 horas, no Auditório da UFFS, serão explorados aspectos formais e de conteúdo de algumas dessas pérolas mínimas, extraindo o máximo de sentidos de algumas poucas palavras.



"Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá" (Augusto Monterroso) 


Noites gélidas Merina

Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
Por vezes, a alemã que eu sigo e que me agrada,
Mais alva que o luar de inverno que me esfria,
Nas ruas a que o gás dá noite de balada;
Sob os abafos bons que o Norte escolheria,
Com seu passarinho curto e em suas lãs forrada,
Recorda-me a elegância, a graça, a galhardia 
De uma ovelhinha branca, ingênua e delicada.



Sardenta

Tu, nesse corpo completo,
Ó láctea virgem dourada,
Tens o linfático aspecto
Duma camélia melada.
(Poemas de Cesário Verde)



 DA FELICIDADE
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!

DA DISCRIÇÃO
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...

DA OBSERVAÇÃO
Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...

SIMULTANEIDADE
- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.

Do bem e do mal
Todos tem seu encanto: os santos e os corruptos.
Não há coisa na vida inteiramente má.
Tu dizes que a verdade produz frutos...
Já viste as flores que a mentira dá?




O pião (Kafka)
Um filósofo costumava circular onde brincavam crianças. E se via um menino que tinha um pião já ficava à espreita. Mal o pião começava a rodar, o filósofo o perseguia com a intenção de agarrá-lo. Não o preocupava que as crianças fizessem o maior barulho e tentassem impedi-lo de entrar na brincadeira; se ele pegava o pião enquanto este ainda girava, ficava feliz, mas só por um instante, depois atirava-o ao chão e ia embora. Na verdade, acreditava que o conhecimento de qualquer insignificância, por exemplo, o de um pião que girava, era suficiente ao conhecimento do geral. Por isso não se ocupava dos grandes problemas – era algo que lhe parecia antieconômico. Se a menor de todas as ninharias fosse realmente conhecida, então tudo estava conhecido; sendo assim só se ocupava do pião rodando. E sempre que se realizavam preparativos para fazer o pião girar, ele tinha esperança de que agora ia conseguir; e se o pião girava, a esperança se transformava em certeza enquanto corria até perder o fôlego atrás dele. Mas quando depois retinha na mão o estúpido pedaço de madeira, ele se sentia mal e a gritaria das crianças – que ele até então não havia escutado e agora de repente penetrava nos seus ouvidos – afugentava-o dali e ele cambaleava como um pião lançado com um golpe sem jeito da fieira.



( Finado Severino)
Tão perto, tão longe

 Aquele copo estava meio suspeito. Eu tive um mau pressentimento, mas estávamos em uma festa, entre amigos, o que podia dar errado?
Aqueles olhos ariscos fitaram-me pela primeira vez após meses.
– Tudo... Deu tudo errado. Aquele nojento! Desgraçado...
As lágrimas começaram a jorrar em abundância. Levantei-me para abraçá-la e, de imediato, fui repelido por um gesto brusco. Ela recolheu-se a um canto do sofá. O silêncio da sala tornou-se denso. O espaço entre nós, um deserto.

Pseudônimo: LF MG
 Fim

Era uma tarde como outra qualquer. Ninguém passava pela rua. Ninguém passava pela sua vida. Ouviu-se apenas um grito distante e um barulho cheirando à morte. Ela havia pulado do décimo quarto andar levando consigo apenas dezesseis anos de solidão e abandono. Os pais estavam do outro lado do mundo, a negócios.


( Quartzo Rosa)
 Caminhos Tortuosos

Era um menino bonito. Era inteligente. Foi crescendo. Conhecendo gente. Um dia, os amigos lhe apresentaram um bonde. Pegou o bonde errado. Eles faziam de tudo. Não cheiravam o olor das flores. Não aspiravam a brisa da manhã, a fumaça impedia. A pedra que conheciam não era a de Drummond. Levavam objetos alheios. Sentavam à margem da vida. Já não era mais bonito. A inteligência se perdera nos bolsos furados. Até que conheceu balas que não eram de hortelã.






CERÂMICA

Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara

Sem uso, 

ela nos espia do aparador.


DESCOBERTA

O dente morde a fruta envenenada

a fruta morde o dente envenenado

o veneno morde a fruta e morde o dente

o dente, se mordendo já descobre

a polpa deliciosíssima do nada.


CIDADEZINHA QUALQUER

Casas entre bananeiras

Mulheres entre laranjeiras

Pomar amor cantar

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.



Poemas  de Drummond.